Saturday, November 21, 2009

acho que todos também

minha pequena.
chove tanto,
que dentro de casa estou em outro país.
ontem sonhei com a onda gigante outra vez.
se bem que eu não morria, o que dói mais.

ouço barulhos na garagem, além da chuva
e me pergunto
será que já? enlouqueceu o mundo?

minha pequena, chove tanto que eu e bon iver pensamos em voce.

não sangre, não chore demais, pensamos em voce. não sangre, eu sangro também.
o amor é tão magro que eu sangro também.
todos querem ter alguns gatos. ninguém sabe sobre se ferir porque o espaço é pequeno.
não
sangre
demais.

eu queria. pequena minha amiga, uma força que te salvasse
da mulheridade envolvida
nesse instante em que eu não posso te pegar.
eu queria que acreditassemos naquele pra quem oro,
Caos,
pra te salvar.

os que partem e os que ninguém vem esperar.
os que dançam sobre a própria sina de não restar,
pequena,
só choras
porque estamos todos lá.
de qualquer lado,
ninguém vem nos esperar.

não estou pegando na tua mão,
mas eu sangro também.

Tuesday, November 03, 2009

quasebem

Antes de entrar na cidade, estaciono o carro, abro a blusa, afasto o curativo (feio, suado, sujo, frio e sem açúcar)
e a ferida no peito está quase bem.
Não voltaria pra casa se ela ainda estivesse sangrando. Não saberia chegar estragada.

Mas sei que se te mostrasse isso aqui, boquinha ínfima de pus cercada de cicatrização por todos os lados,
voce jamais acreditaria que eu morri.
E diria,
"cabeça de ovo, é só uma espinha".

Só por garantia, não vou te mostrar. Qualquer uma das vias seria mentira. Contar ou não o que aconteceu em mim, nada valeria o que há.

"Quero um relato preciso do seu fim-de-semana", voce vai dizer em algum momento de algum dia de alguma semana ainda esse ano.
Eu te contarei sempre uma outra história, uma melhor pra voce gostar de acreditar e esquecer e acreditar. É o que funciona entre nós. Há quem arrume a casa e troque as flores e bata as almofadas e sacuda os tapetes e
perfume os lembretes,
todos os dias de manhã.
Nós contamos histórias melhores de comprar.

Vou começar com "voce não vai acreditar no que me aconteceu".
de outra vez será algo "nao conta pra ninguém". E "tah, mas pelo amordedeus não grite". E "nada demais". E num dia especialmente azul
eu vou começar a história dizendo "ah, na verdade o tempo inteiro eu só pensava em voltar" - pedacinho bem emotivo e irracional do que eu de fato senti.

É início da tarde de um feriado nacional no meio do verão. Dirigindo contra o sol, ilusão de olhos apertados, a rua principal parece um desfile de prédios baixos com cores histéricas em chamas.
Eu sei que o vidro queima mesmo que pareça suportar. Eu sei que há pele nossa nas moléculas de cada vidraça dessa cidade sol demais. Eu sei que tanto faz, fritamos em nós ou acolá.

Paro na mercearia das trigêmeas. Elas sempre assam o pão na hora mais quente do dia.
Estão com as saias levantadas, amarradas em torno da cintura; são muito muito magras e ainda assim suam em bicas. Me pergunto de onde dentro daquelas criaturas secas brotam tanta água. Nas têmporas pequenas cachoeiras.
Enquanto penso no que quero elas discutem - pra variar - o seu nascimento.
-Parece que eu não queria sair;
-Já eu saí cedo demais;
-Me bateram pra eu chorasse;
-Dizem que nasci olhando pra trás.
Até acho bonito que elas se contem e se escutem como se não tivessem estado lá;
como se tivessem anos e milhas de distância,
como se tivessem outros pais.
Todos nós tentando fazer sentido e diferença. Por uma hora, quiçá.
Na dúvida peço cervejas. Sem escolha, a que estiver gelada. Sei que perco um pouco o respeito toda a vez que assumo não ter marcas preferidas, sempre opto pelo conforto. Sei que me perco por ali.

Sigo pra casa com o fardinho gelado no meio das pernas. Nada a ver com prazer, puro sistema de refrigeração. Se o frio circular pelo meio das coxas, subir pela base do corpo, entrar pelos buracos mais óbvios e explodir no umbigo
sei que a cabeça chegará fresca. Me lava e me basta. Lembro que uma amiga falava da síndrome da buceta bêbada. Pra ela não era engraçado; pra mim, me refrescando por baixo e indo pra casa, parece uma boa piada.
Até ouvir Johnny Cash cantando Desperado, indo pra casa, de triste tem nada - you betta let somebody love you before is too late.

Muito antes de ver o telhado da casa e o topo seco dos plátanos que já foram deuses
sinto teu cheiro no ar. Na verdade é o meu suor mudando de salgado pra areia, depois verde.

Passo a curva e passo a ponte e passo o posto e vem a casa. Cercada de terra vermelha por todos os lados. Queria poder dizer que esse não-pátio, que esse vazio de poeira sangrenta tem o meu nome escrito. Mas que nada. Aí não tem nada meu. Como nem as cortinas da casa. Como nem as floreiras tentando criar cactos da varanda. Como nem o que tiver na geladeira. Nada meu.
Só quando estaciono, desço,
te procuro
&
te busco
& te acho - brincando de mangueira ó mulher feita - cercada de lama rubra por todos os lados, como um porco no banhado, só os dentes limpos e no fundo nem mesmo lá,
sua alma suja eu te digo,
e sorrio,
pra que voce possa chegar correndo e me abraçando contaminar o que houver de "puro ódio" em mim.
Suja, suja, monte em mim sua suja - quando termino de falar, já afundei contigo na loucura da terra.
Suas coxas estão geladas, você diz.
"Demorei demais pra chegar. Mas já estou esquentando."
A gente ri. Nunca vou te contar que eu morri e voltei de lá.
-Como foi o seu fim-de-semana?
-Morri e voltei de lá - Digo isso mto séria, como se fosse o curso do rio.
-Eu te amo quando voce mente pra me agitar.
-Mmm - a abraço. Deitadas na poça de lama do fundo das nossas vidas - o que vamos fazer com esse céu?
-Esperá-lo rachar.
Rimos muito mais do que valia a piada.
Todas as janelas da casa explodem porque a gargalhada é solar.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx