Saturday, June 23, 2007

margem de erro

uiakálan guarda a mão descansando entre as nádegas do homem, seu rego peludo.
por nada, só por deixar estar.
o homem dorme enquanto anoitece laranjado forçando uma certa luz ao quarto
por entre as frestas de persianas com poeiras.
quando está dormindo o homem não sonha. uiakálan sabe que quando está acordado, o homem também não pensa nada de especial.
passaram a tarde inteira trepando no automático.
o homem nem cheiros tinha.
até que isso talvez fosse uma coisa boa nesse caso.
o homem não parecia alguém capaz de secretar algo excitante. como cheiro de ferro e cerejas. com um pouco de sal no fundo.
ou como
brinquedo novo, café, saliva com hortelã
ou como
roupas ao sol, cabelo suado, limão e chuva chegando
tudo misturado.
seria bom
mas nada disso há ali.
era uma vez.
uma vez há muito tempo atrás, quando ainda estava na sua cidade natal
uiakálan conheceu um homem que lhe pareceu muito bom
e com todos os cheiros de excitação misturados.
na semana seguinte, esse homem fugiu da ilha depois de ter estuprado e matado quatro velhinhas.
uma delas era sua tia predileta. a que usava mais azul.
depois disso só pega os homens que lhe causam asco.

Wednesday, June 20, 2007

joana, a pendurada

foi preciso um varal de metal, amarrado em ganchos fundos da parede mais grossa do porão.
não foram encontrados grampos com desenho possível de a segurar pelas mãos; ela não é um lençol, ela é um fardo. necessário se fez que lhe fossem os punhos perfurados pra mó de a amarrar melhor.
pingava, pingava dos punhos, das lascas e do talho no ventre. pingava em vermelho grosseiro, botei-lhe uma bacia embaixo. depois eu trocava e dava a cheia pros cães beberem. que ninguém diga que algo dela se perdeu. eu jamais a desperdicei.

Tuesday, June 19, 2007

balalarca

O corpo da mãe ainda não estava frio, na verdade, jamais esfriaria, por mais morto e podre e consumido. Até quando invisível, naquela terra, tudo fazia calor. O tempo inteiro. Até as lágrimas de velório ferviam, misturadas as de suor. Perdia-se todo o sal ao sofrer, perdia-se todo o sal ao sofrer.
Por isso ela tinha morrido há apenas duas horas e seria enterrada em no máximo mais uma.
Mas será que a pressa do sepultamento apressaria também o luto? Giana sentia que não. Gericó sentia que precisava ir pro rio. Germana pensava que a maionese dos sanduiches deixaria o hospital superlotado até o final da tarde. Guida chorava por obrigação. Guido, seu irmão gêmeo com síndrome de down, dispensava os sanduíches, dispensava a tristeza, dispensava a mãe e os abraços. De repente tudo fedia.
Numa terra tão quente, a morte dispensa o preto. Mas as rodelas de suor amarelo envelhecido mofam todas as existencias. O branco que cheira mal é muito mais mórbido que o preto.
Gericó pensa que mesmo nesse sol a água que brota perto da caverna deve estar gelada. Que o choque térmico líquido é a única coisa que lhe mantém vivo enquanto não arranja uma namorada. Giana percebe que nenhum dos irmãos se importa muito. É como se nunca tivessem dado bola pra mãe. Depois que sairam de dentro dela, acho até esqueceram seu nome. Guida pensa que nunca soube o que fazia a mãe feliz, além de eles não sujarem o chão e conservarem seus livros inteiros até o final do ano escolar. Guida teme que agora ela terá que cuidar do irmão como a mãe cuidava. Ela não quer. Ela quer ir embora agora. Guido acha que talvez os irmãos esperem que ele vá embora agora. Nenhum deles tem muita paciência com ele. Precisa trabalhar pra comprar uma mala, ou pelo menos uma mochila. Sapatos novos fechados nas pontas para parecer alguém decente. Será que os dedos dos seus pés vão se acostumar? Ele odeio a ponta dos pés sufocada. Imagina que seus dedinhos parecerão sardinhas. Pensa que eles poderiam sair nadando. Promete nunca mais pisar nágua. Gericó pensa que precisa de uma namorada miúda, porque ele não é lá grande coisa. Do lado de uma grandona parecerá ainda mais mixuruca. Germana pensa que talvez fosse de bom tom comer os sanduiches e ser a primeira a passar mal. Isso a desculparia frente a comunidade.
Alguém sussurra "que idéia cretina essa de acender as velas", e de fato, elas apenas aceleram o processo de cozimento das flores, esse cozimento que causa uma espécie de maturação forçada que acaba em cheiro de podre. Um cheiro de podridão em vida, cheiro da decomposição das pétalas, misturado hormônios, humores, secreções, roupas de baixo não trocadas, paus e bucetas recém usados (um de cada inda agorinha a pouco, no banheiro interditado da câmara mortuária). Aquele tom que só há em velórios quentes demais.
Germana lamenta que o pai não tenha vindo. Guido agradece que o pai não veio. Guida pensa que o pai bem que poderia ter morrido também. Gericó lembra que o pai lhe disse que já estava parecendo meio gay não ter uma garota nessa idade. Giana chora compulsivamente ao lembrar que só sobrou o pai.
Foi um cancer na medida. Não uma morte rápida o suficiente pra chocar, nem demorada demais a ponto de deixar muito cansaço ou dívidas pros que ficam.
Giana pensa que a mãe era tão boa que morreu da maneira mais eficiente possível.
Germana se sente abandonada numa situação que não lhe pertence. E que no fim das contas a mãe era uma cadela preguiçosa por ter morrido assim.
Guido só queria que a mãe tivesse ido com ele a lanchonete do shopping antes de morrer. Ela teria adorado as batatas de lá e obrigado a irmã mais velha a faze-las daquele jeito, e não cozidas no azeite como Germana fazia.
Gericó imagina se a mulher certa pra ele não seria quieta e quase sumida como a mãe. Uma que mal respirasse. Não se fazem mais como essas.
Guida jura que jamais se casará nem procriará. Prefere morrer sozinha a ficar feia e seca assim como a mãe.
O agente funerário aguarda ansioso o melhor momento de apresentar a conta.
O padre lembra como era bom de comer a morta às quartas feiras, quando ela ia ao supermercado e a confissão.
O primo Jorge olha pra Guida e Guido e sabe que eles são filhos seus, mas isso agora não vem ao caso.

Friday, June 15, 2007

só porque eu sabia

eu sabia que ele vinha
se preparando pra partir.
que um dia ele se fosse
já era parte de nós.
que ele me deixaria
era o terceiro elemento do nosso amor.
ele chegou só pra depois ir.
e eu soube desde sempre.
minha lida,
era me preparar sem adiantar.
meu carinho era amarrar os cadarços
para não tropeçar,
mas nunca tão apertado
que parecesse sufocar.
enroscar os dedos das mãos
como quem agradece o atravessamento da avenida
e pode seguir sozinho do lado de lá
eu sabia que ele vinha
se preparando pra partir
desde o início
era só o vento, fazendo paragem em mim
eu sabia que ele ia
assim inventei um sorriso especial
pra usar no fim.

Monday, June 11, 2007

com algo morto debaixo dos braços

a pele podre, o que escorre do nariz é uma parte dele ou meleca?
a febre requentada, velha, mas sempre acesa, no caso de frio, é casaco ou maldição ferver?
as mãos que doem por dentro dos ossos
chamam de reumatismo
eu digo que são loucos valsando no salões mais ocos e escondidos de mim.
quando as orelhas são completamente tomadas de cera, portas fechadas pra zumbido de vento ruim.
quando a boca,
com gengivas amargas,
já não lamenta os dentes que perdeu pra manga
(da camisa e não a da polpa)
e sorri uns nadas com a garganta quase fechada
mais por encargos e descarregos de consciência
do que pra ter a quem mostrar a miséria rida
quando em qualquer lugar onde eu estiver
tanto faz onde mais eu posso estar
com algo morto debaixo dos braços
sei que a peste
também são asas.

Wednesday, June 06, 2007

éééééé, acho que eu tenho que levar a vida mais numa boa meeeesmo

ó
praqueles que faz tempo têm pensando
"porque diabos essa big fat cruel bitch só fica contando histórias pesadas pra atravancar meu dia?"
e de fato, nooosssaaaa, a existência é tão leeeeve, não sei porque eu invento coisas que não acontecem, quando a vida é cheia de frivolidades deliciosas.
por isso, peguei emprestado esse texto de dicas culinárias ó;
http://www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=57
aposto que todo mundo vai amaaarrrr as receitas.

hehehe
hei
um dia pode chegar a sua vez.

Tuesday, June 05, 2007

WOW CARRADINE

tudo que ela não sabia e deveria saber:
que sempre tem um ponto em que as coisas se tornam irreversíveis;
que às beiras de todo o futuro, coisas da vida são cada vez mais difíceis;
que ela as vezes era imbecil quando encurralada;
que ela casaria pra fugir de casa.
que ela estaria casando também com dois velhos entrevados.
que eles acabariam por nem controlar a evacuação.
que o marido ia ficar cansado até desaparecer.
que pelo menos ele não deixaria filhos.
que ela teria dois filhos idosos.
todo mundo esperando pra morrer.
que um maluco, de fato retardado mental, tomaria um dia o quartinho dos fundos,
sem nunca mais arredar pé
e ainda por cima sempre reclamando das refeições.
que os seus vestidos ao invés de encolherem, aumentavam, cediam,
porque ela esquecia de jantar.
que num dia num mes de um ano
ela perceberia que na costura de perpassar tanta desgraça
ela era dela.
sorriu porque estava presente em todos os seus lugares.

Monday, June 04, 2007

a não mãe

o bebê está no chão há cinco minutos.
ele não chorou. nem no caminho até ali, o duro, nem quando chegou. ali no duro.
ele nunca chorou.
o bebê está no chão há sete minutos.
o chão está gelado. mas ele nunca chorou. nem fez barulho de nada estourando quando caiu.
ele também não quicou.
o bebê está no chão há dez minutos.
e ainda nem se mexeram. os braços do bebê nem os braços da mãe.
instantes antes dele ter ido parar lá embaixo, ela queria que ele arrotasse, mas ele escorregou.
agora o bebê está no chão pra sempre. e ela morreu, ali de pé.
ela morreu de um jeito que poderá ir eternamente pra onde quiser.
falar sobre o que quiser.
nada mais trará consequencias.
ela está olhando praquele corpinho há vinte minutos.
não há mais ou que sentir quando todas as cordas de dentro foram esticadas até a rebentação.
o bebê não está no chão há 40 minutos.
ela jogou fora, no mato, o restos dele que mentiam sobre ainda haver um bebê lá.
o bebê foi embora.
e ela nunca mais pertencerá a lugar nenhum.