Friday, March 31, 2006

33 historinhas, tanto faz, acossado

eu sou, no fim das contas, a soma da vontade de cada uma das ambições que eu já tive. não faz mal, não adianta culpar ninguém, eu não culpo. quem vai responder pelas bobagens que eu já quis muito por 15 minutos pelo menos? essas todas entram. cada uma com seu quinhão de responsabilidade, sem significar que elas se realizem. um dia ter desejado morrer afogado não vai me livrar do assassinato que me espera. porque alguém desejaria morrer afogado? pergunte a virgínia woolf, eu nunca li mas vi o filme, ela pôs até pedra nos bolsos, queria ficar lá, garantida e grudada no fundo. eu não, eu queria flutuar na água e andar morto na correnteza de braços abertos. mas isso não vai me escapar do assassinato. eu pensei em morrer afogado pela primeira vez assistindo a água de escovar os dentes escorrer pelo ralo. indo embora, indo embora. eu tinha 13 anos. A ultima vez em que pensei em morrer afogado foi do mesmo jeito, sem motivo nenhum, terminando de escovar os dentes. naquela tarde eu conheci nepomucéia limpando pó do seu nariz na praça. ela tinha medo de mim. nada disso vai me livrar do assassinato.
eu não fui feito pra morrer por isso penso tanto sobre o assunto.
ela não falava sobre isso e me ouvia muitas vezes com ar de quem pergunta porque insistir nesse tema, não se incomodava, me deixava falando sobre a morte. durante os cinco anos em que ela foi feliz trabalhando e morando na zona, quando não queria prestar muita atenção numa conversa, ela ficava acariciando um gatinho com uma mão, roendo o esmalte da outra e te olhando profundamente. quanto mais te olhava, menos estava escutando. eu gostava assim, era quando ela estava bem.
o resto do tempo ela também te olhava, mas dava medo, e ela tremia ou não parava de mandar algum tipo de entorpecente pra dentro. era tão resistente essa garota. mesmo nos piores momentos sempre parecia que ela poderia estar completamente saudável dali há um mês, se quisesse. nada disso vai me livrar do assassinato.
nepomucéia tinha todas as veias do corpo muito visíveis mas os caras que fodiam no escuro nunca reclaram de nada. um dia a gorda da zona, nepomucéia sentada lá longe no pátio, embaixo de uma arvore que não dava fruta nenhuma, mas tinha umas raizes grossas que rasgavam a terra vermelha, lá embaixo sentada ela estava, era um tempo morno, ela fumava um baseado e o cabelo estava solto, passava um pouquinho do sol das cinco, por entre as folhas, um pouquinho ia parar em nepomucéia e cobria o corpo dela com um pêlo de luz opaca, a mais linda porque nela o sol não brilha, ele se acalma, um dia, naquele, a gorda da zona reparou que nepomucéia era bonita se não fossem aquelas veias. Eu via uma terra cheia de rios azuis de sangue sob um sol calmo. eu via uma coisa cuja cor não combina com nada que existe.
a mulher instalou uma luz direcionada no quarto, neomucéia passou a trabalhar de luz acesa na cara e o resto do corpo apagado. Foi depois daquilo que eu nunca mais vi ela no sol, nem no pátio, nem perto de uma planta. Foi depois daquilo que eu fui fazendo o que eu nunca pensei em fazer.
eu sou, no fim das contas, a soma da vontade de cada uma das ambições que eu já tive. mas o que eu me tornei nasceu de tudo o que eu nunca quis. do que me tiraram. nepomucéia não morreu não morreu não morreu. eu acredito nisso dentro da minha cabeça, eu juro, porque alguém ia querer se matar afogado? perguntem a virgínia woolf, não sei como ela conseguiu, mas nepomucéia leu, e nunca falou nada sobre isso, ela não tinha medo, ela não morreu.
mas isso não pode me livrar do assassinato.

Wednesday, March 29, 2006

tanto faz se aconteceu ou não

ugly till there there
Um pêlo duro cruzando a praça; Nepomucéia se encolhe no banco, ela morre de nojo ou medo dessa gente. Se controla sempre, pra não virar nada parecido com ódio ou preconceito, essas coisas que não se deve sentir pelas outras pessoas, que também são pessoas, apesar de serem de outros jeitos. Mas medo e nojo do cheiro pelo menos ela acha que é direito dela, enfim, não teria como evitar mesmo. Ela começou a curtir umas linhas com quatorze anos, numa cidade de dez mil habitantes e muita terra vermelha. Quando lembrava do próprio nome, a moça com dezessete até dava graças a deus. Ali pelo menos ela ficava só se ferrando, e se estragando, mas sem passar muita vergonha. Sem ver as outras coisas que ela poderia querer e não ter por causa da porra do nome. As drogas que ela precisava chegavam ali, os pais tinham um pouco de grana e não enchiam muito o saco, só não gostavam do cabelo, das musicas e das companhias, então ela praticamente só ia pra casa pra dormir, fazer umas refeições e tomar banho. Ela sempre tinha pelo menos alguém com uma garrafa de cola, uma garagem ou construção vazia, algum amigo, horas dispersas, antes da noite rondar pela praça e ficar vendo os que trabalharam o dia inteiro voltando pra casa e grudando mais poeira no suor, e grudando mais burrice nos olhos e ficando mais atravessados na garganta.
Nepomucéia se encolhe no banco. O homem olha pra ela. Ele para. Ele se vira, aquela montanha de carne enorme e marrom, aquela terra brilhando, ele se virou e era um desabamento humano acontecendo, ele veio caminhando em sua direção e era como se muito mais sangue do que ela podia imaginar pulsasse ali, era como um universo de veias chegando perto, e a terra vermelha grudada na camisa, era como se ele transpirasse sangue, chegando mais perto. Agora tão perto. Uma parte pequena ainda mais perto, a mão chegando ao seu rosto, ele a mataria ?, porque ela rira?, não fazia mais mal, era tão fantástico, ela era tão pequena como sempre gostaria de ser, e chegando mais perto, ela quase sentia um vento, então
O dedão do homem limpou a borda da sua narina direita.
- Você devia ter mais cuidado se vai mesmo fazer isso.
Você, devia ter mais cuidado se vai mesmo fazer isso, ela pensou mas não disse, saiu correndo pra casa.Um mês depois ela conseguiu descobrir onde é que aquele homem bebia e virou sua melhor amiga por mais de dez anos.

Tuesday, March 28, 2006

da série trinta e três historinhas


os fãs do apocalipse

Quando eu era pequena, gostava de passear perto de um buraco grande que vivia cheio de água. (Eu sempre gostei de lugares fundos e de água. As duas coisas juntas são escuras, mas podem ser maiores do que todo o universo. O espaço sempre me fez grande companhia.) Tinha um atalho por lá, e uma mulher gorda que sempre passava muito colorida. Naquela época eu estava começando a precisar de preto. Só preto, mas eu gostava muito dela. Até por causa das cores que não combinavam e se espalhavam vastamente, até por causa da risada com batom vermelho que ficava bizarra nas mãos rachadas, até pelo saltinho embarrado com tornozelos grossos, até por causa do escândalo e do desaforo dela ainda andar tão feliz, mas principalmente pq eu sabia que ela andava como quem tava fodendo pro que diziam. Na época, eu nem sabia por que, nem que era literalmente, eu só pressentia, e tinha a sensação de que um dia eu ia ter que me apegar a isso pra sobreviver também. Cada um com seus problemas, da licença que eu vou passar. Um dia eu prestei atenção na fofoca e descobri que ela tava fodendo mesmo, com um outro cara que não era o marido dela. Eu ouvi também que ela tinha dois filhos homens, e que, imagine, o marido vivia sorrindo. Parece que o outro também. Eu gostei tanto, eu achei tão bonito. Eram todos felizes, e ela trabalhava doze horas na lavanderia (a fofoca se estendeu bastante, mas as fofoqueiras não elogiaram o trabalho dela) como ela conseguia tudo isso se eu mal conseguia sair do meu quarto, agüentava dois amigos de escola e as refeições com os meus pais? Amar requer desapego, despretensão, é doloroso, requer mais do que tempo.
Eu adorava aquela mulher. Desde então, quando ela passava, eu cumprimentava. Nunca falei mais do que isso, só cumprimentava. No ano seguinte eu me apaixonei por um menino. Primeiro de ver pela janela, depois de ver na rua, depois de ver perto do mesmo grupo de amigos, até que, um bom tempo depois, muitas risadas juntos, começamos a conversar. Deve ter sido sobre música, reclamando de alguma coisa. Adolescentes reclamam, como já disse um filósofo mirim. Eu gostava tanto dele. Eu gostava mesmo e jamais desmereceria o tamanho desse amar primitivo, era uma coisa de saber os palmos da volta dos óculos, a curva do coração que pode quebrar. Tudo isso antes de saber que ele era filho da gorda depravada colorida. Aí teve a noite. É fantástica a época da nossa vida que contém As noites, aquelas que prometem mesmo ser uma vida inteira, ou se parecem com isso, até a luz dos postes parece uma cor que brilha diferente, e naquela época, nós não tínhamos os químicos. Talvez um pouco de álcool. Eram os hormônios e a estranheza e a novidade ou inocência. Da pra separar novidade de inocência? Naquela noite, uma garrafa de vinho dividida, 14 anos, alguns planos absurdos compartilhados, falamos bobagens de todos, enjoamos de todos, fugimos da festa pra calçada da outra quadra e eu descobri que era uma mulher de iniciativa. Sentadinhos de all star, o meu primeiro beijo fui eu que roubei, foi tão assustado que eu não lembro de sentir mais do que o meu coração batendo enlouquecido. Mas eu sei que foi bom, de algum jeito sim. Ele se virou depois e disse que não podia fazer isso. (Isso também é uma sina que eu já carreguei, de um jeito ou de outro). Ele disse que não podia fazer isso porque era filho da. Da. Aquela. Ele me olhou como se eu devesse ter pena dele e segurava a minha mão. Como se tivesse tuberculose. Eu entendi que ele achava que eu era como os outros que achavam vergonhoso e não entendiam nada. Aí eu disse...mas eu adoro a tua mãe. Tantos homens gostariam de ouvir isso de uma mulher, mas ELE era como os outros. Largou a minha mão com nojo, passou a mão no nariz ranhento de começando a chorar, se levantou, gritou comigo, disse que eu debochava, depois me chamou de cadela, aos 14 anos, primeiro beijo, eu já era uma cadela. Não falou comigo, nem me xingou mais. Só não me enxergou mais. Não sofri tanto, quase nada, porque ele não era mais quem eu amava mesmo.
A mãe dele continuou colorida, grande e rindo. O pai dele morreu meio bêbado, mas rindo. O amante também. Esse tinha mais duas, mas a mulher dele era viciada em comprimidos. Eu fui aprendendo meu próprio jeito de ser colorida, aos poucos. O cara eu não sei que fim levou, mas acho que ele não deve ser muito bem se ainda não conseguiu compreender que eu só estava festejando a capacidade de amar.

Monday, March 27, 2006

33 historinhas "tanto faz se aconteceu ou não"

as vezes eu gosto de ler histórias sequenciadas, as vezes romancezinhos água com açucar, as vezes um pastelão de terror, as vezes de novela, as vezes de final feliz ou uma sequencia em que tudo dá certo. apesar de não parecer, todos esses gostos tem uma função em comum: me distrair das historinhas mais curtas e espaçosas que eu guardo dentro de mim e que fervem o caldo demais. como crianças prematuras, historinhas são sempre hiperativas, mesmo que despretenciosas e quietinhas. aí eu decidi gastar menos dinheiro em best sellers e mais caneta e meu segundaferístico e preguiçoso tempo: assim começa a série "tanto faz se aconteceu ou não". e tanto faz se foi comigo, se não foi, se ainda, se me contaram, se há por onde.

(café da manhã duas estrelas em cinco linhas)
eu acordei e a casa tinha cheiro de café com canela. eu acordei antes dos olhos, eles não abriram por vontade própria, minhas pálpebras pareciam coladas, ou emburradas. o cheiro era bom, eu acordei em tpm, era frio, eu queria açúcar. obriguei os olhos a abrirem os trabalhos do dia, e enxergarem, seu dever e direito. não fui pro banheiro. na cozinha, meu demônio pessoal empoleirado no fogão, o pano de louça no ombro, duas xícaras quebradas (onde é que eu sonhava se nem ouvi porra nenhuma?) e era dali que eu sentia o cheiro. o capetinha me fazia café. e não pensem que ter um demônio propicia sempre esse tipo de luxo. nã. nunca. ter um demônio quase sempre significa que ele vai te pagar mais um trago do qual vc já não precisa, pra te ver seguindo, pra te ver sobrevivendo na dureza, pra te ver mais bruta depois de vomitar. hoje ele fazia café, o vermelhinho me estendeu uma xícara e, não só a cara, mas seu rabo também estava sério. Se vc tiver um gato ou um demônio com cauda sabe do que estou falando, rabos tb transmitem sentimentos. eu perguntei o porque do café.
- vc acreditaria se eu lhe dissesse que toda esse história de céu e inferno pode ter sido por causa de uma mulher?
- nã. não, porra, não. não acredito que sejam só dois garotinhos brigando por uma mulher.
- pois é. eu também prefiro não acreditar.
- é por isso o café?
- pode ser. vai saber. se toda essa merda foi por causa de uma mulher, vou começar a te tratar bem. não pretendo ter todo esse trabalho.
- teu café é melhor do que a tua cara.
era brincadeira. meu capeta é descendente de lúcifer estrela da manhã que era o irmão bonito de jesus. mas só por isso, meu capeta tem a vaidade de um anjo no espelho. ficou quieto, moído, frio e azul.
- então. quem sabe vc não vai trabalhar hoje e fica atirada aí pela casa, curtindo meu café....

esse era ele, o mesmo de sempre, tentando me aprender a fazer as coisas certas apartir do me ferrar.

Thursday, March 23, 2006

só um prato

sempre existem dias ruins. eles se esforçam pra acontecer. mas a salvação pode ser mais perfeita do que você se permitiria imaginar. quase um jogo de "quanto doce você aguenta comer e ainda consegue ser feliz de verdade". porque em algum momento estravaza, e você começa a considerar o impossível, simplesmente estar bem além do que, e se culpa por isso. desde a liberação sexual, nunca fomos tão travados. e qualquer coisa por uma molequagem.
um amigo meu dizia que quanto mais santidade, mais pervertido.
ele certamente queria falar de inocência ou não nos conhecia direito.
no fim das contas nós somos todos amigos e nos amamos devido as circunstãncias de estarmos todos perdidos ou termos perdido alguém. nós perdemos tanto. Mas seguindo: quando dói com um amigo, só o outro salva.
alguns amigos parecem ter atravessado a barreira do tempo, entrando pela porta como se hoje fosse sempre, nada de revival, só conforto. Nem se acomodar, só lentilhas.
Uma moça tem um dia triste. E três amigos. E lentilha.
Uma moça tem um caminho, e muitos amigos em torno da mesa, e medo, mas como me segurar se andar é reconhecer, eu sei que todos me entenderão, e isso é tão raro.
Todos nós somos especiarias que precisam descobrir o brasil pra chegar a índia.
Eu já sei quem sou, andar mais um pouco, fumar mais um cigarro.
Dentro de nossas tormentas, as coisas acontecem tranquilas a ponto de comermos em torno da mesa.
no fim não saberíamos realmente como desacreditar do amor.
cada um é uma caça congelada, mas o coração nunca para de pulsar, nem que seja nas palavras dos outros, nem que seja de espera, nem que seja de perdição ou abraço forte, nem que seja de menino, nem que seja de menina, na semana que vem tudo vai mudar, m
as as lentilhas jantadas estão postas na mesa, no mesmo lugar e com direito a sobremesa depois.

Tuesday, March 21, 2006

isso é mais bonito do que não prestar atenção

"Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal ... cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar."


A "xicrinha" que era da avó – lascada - na terra vermelha, poeira e resto de osso de galinha que morreu longe do pátio, ali era longe do pátio, Serafina correu muito até encontrar, o resto da porcelana dos outros, que era sua, que não era mais, que era só um caquinho que tinha sobrado, agora entre os seus pés descalços, seus pés desprotegidos e machucados-sangrando de correr desespero na macega-pasto-rua-taquara-beira do rio, tão longe do pátio. Lá onde foram deixar o resto.
A "Fina" ainda sonha, pelo menos uma vez por semana, esse primeiro crime, da qual foi vítima e culpada. Naquele tempo, ela só queria mostrar as xicrinhas de porcelana japonesas da vó pras amigas porque era um troço tão especial, tão delicado e misterioso e secreto que cheirava a amizade de uma tarde de banho de rio escondida dos pais. Mas ela tinha as pernas tortas. E as amigas só queriam mesmo exibir o vão entre as suas pernas, o buraco entre os seus dentes da frente, o lapso na sua inteligência, o sopro do seu coração que não batia, zumbia.
As amigas, queriam mesmo se sentir melhor perto do tão pequena que ela era.
Quando acorda de um desses sonhos, a Fina crescida corre pro banheiro, e não importa a hora do dia ou da noite que for, ela age sempre como atrasada pra uma festa: se maquia com pressa, enche um copo, deixa cair o gelo, bebe com o do chão, acende um cigarro e dá umas primeiras tragadas fundas depois esquece, joga qualquer roupa curta no corpo seco, passa batom se vendo no mesmo espelhinho em que ajeita três linhas desengonçadas, cheira rápido, enche os dedos de pó, enfia na xota, enche os dedos de pó, passa nas gengivas, enche os dedos de pó, e gostaria de ter uma portinha no peito pela qual os dedos pudessem encher de pó o coração, como não tem, enfia mais esses nas narinas, ela já não sabe cheirar direito, pelo menos não quando acorda dos pesadelos.
Então a Fina sobe no salto e aí ela não tropeça em mais nada; os olhos vão pendurados em linha reta e sem brilho nem intenção. Ela acende um cigarro muito comprido, e mesmo assim ele não disfarça que ela é a Fina, linda e louca, ela abre a porta e não olha pra trás, nem liga pra ninguém, nem chama um táxi, nem tem medo nem endereço.
Sempre que acorda de um desses sonhos, ela sente a mesma coisa de quando botaram sua alegria pra dormir, quebrando as xícaras da avó e rindo depois. Ela pensa que deve matar alguém. Mas então sai de casa, e não importa que hora do dia ou da noite seja, ela vai dançar em algum lugar, nem que seja no meio de um parque e todas as crianças se assustem ao seu redor.
A Fina que só queria ser feliz, e mesmo agora, sem possibilidade mais nenhuma de voltar a sentir alguma coisa qualquer, se viciou em tentar, e arrebenta as veias por isso.

Thursday, March 16, 2006

todos os dias tem data e teto pra se agarrar


Pra falar a verdade, às vezes é mais alto do que poderíamos ouvir, às vezes é mais fundo do que enxergar, às vezes a gente usa uma metáfora comprida, às vezes uma desculpa química. Às vezes apelidos meigos e meio ridículos. Qualquer coisa que seja distração, qualquer coisa mais difícil de controlar. Amizade de quinze anos forjada, mas sem bijuterias dramáticas. Nunca tem um momento definitivo, mas a gente gosta de ter datas. Como os acontecimentos históricos e o resto da vida de qualquer um. Só que nosso caminho não é exatamente de nascimentos, sacramentos, casamentos, mortes. Nós precisamos de outras grandes datas, até porque nenhuma dessas nos tem tanto valor assim. Datas de amigos são mais fortes do que de namorados. Datas de amigos são mais criativas, livres, invejáveis e singelas do que as de namorados e santos. Acontecem em qualquer dia, por qualquer motivo. Algumas nascem de mortes ou partidas, por mais piegas que isso possa parecer, essas coisas que doem tem uma função social importante. Muita gente comemorando junto a falta de alguém. Não é tão fácil quanto simplesmente estar frágil. É quando se percebe o que compartilhar. É quando o dedinho que se aproximava enfia na ferida, a colherinha de mingau entra na boca do bebê desdentado e sim, finalmente parou aquele barulho de alarme na frente de casa. De repente você encontra pessoas que fazem os ouvidos pararem de zumbir por um minuto, e repetir a música. Pessoas que poderiam, mas não são fáceis de entender, talvez porque percamos tempo demais simplesmente nos distraindo com elas, prestando atenção na história mais do que o que ela quer dizer. Talvez porque sentir seja melhor do que pensar. Nós somos feitos das nossas pequenas descobertas ao redor de casa, e podemos realmente dizer que amamos certos amigos que nem conhecemos direito. Amigos não amam por ontem e nem para amanhã. Nunca se tem a certeza do que vai acontecer no instante, nem daqui a pouco, não é fácil, é confortável, mas com surpresas, é o pra sempre no até agora, e não é tanto assim, e eu juro que é, não faz mal o quanto não entendemos, gosto de saber que todos estão bem em casa, e eu também, e que nos veremos na sexta-feira, ou não, mas estaremos todos lá. Nos pedaços de cada um.
Nas nossas datas, de qualquer tempo e dia da semana.

Tuesday, March 14, 2006

terça+feira+catorze

megan voltou a estudar e não foi no primeiro dia de aula e me deixou esperando a toa. voltou a estudar é maneira de dizer, ela pretende terminar o segundo grau em alguns dias. se conseguir compreender que é preciso assistir pelo menos aquelas aulas. e não fazer compras malvadas.
a minha tosse não vai embora pra não voltar. todas as coisas que eu compro estragam um pouquinho logo no início pra não me decepcionar depois.
e um cara voltou de viagem pra se ferrar, porque o que vc faz lá fora sempre pode grudar no suor ou na ficha policial, mesmo que vc espere ter se limpado antes de sair de casa e antes de voltar pra casa. Quando voce voltar pra casa, estará naquela vareta de novo, se equilibrando entre o que você é e o que não pode ser.
a minha tosse fica mais forte quando está seca, mais espaçada quando está doendo, menos agressiva quando encatarrada, combinando variáveis pra me fazer sobreviver.
há um menino de quem todos gostavam. ultimamente ele tem aprendido bem a como merecer uma surra. até os meus punhos esperam o nariz dele no proximo trago. eu já vi que hoje o sol vai estourar as nossas cabeças de novo, a cidade provavelmente vai feder por causa dos matadouros e das fábricas, os campos de milho vão parecer um incêncio verde, as galinhas vão suar as penas e quando escurecer, vai ser terça-feira, e todos gostariam que fosse mais uma sexta pra pagar a ultima, ou apagar o sábado, ou costurar no sabado, ou só terça-feira sem quarta. nós somos incríveis esperando o fim de semana pra estragar tudo depois.
nós somos espertos amando um pouquinho pra mentir tudo depois e trocar as cartas depois e coração gelado no fim não vai aquecer os pés de aline.
nós somos dois dedos esperançosos que não param de trabalhar massageando o coração da manhã, trabalhe, trabalhe, pulse bem, acorde.
nós colocamos espreguiçadeiras na praça, fomos comprar a bebida e esquecemos os princípios por lá.

Monday, March 13, 2006

Gentilmente sinistra,

Segunda-feira de manhã, eu fui acordando aos poucos e bruscamente desde as primeiras horas, lá pelas três. Quando não era o meu corpo tentando falir e eu juntando os pedacinhos com xarope, reza, chá e promessa de não fumar mais tanto ou não pegar frio ou parar de tentar agarrar a madrugada pelo rabo, era os mosquitos. Apareciam um por vez. Eu me enchia com o zumbido, levantava, ligava a luz, perseguia fraca e sonolenta, finalmente conseguia matar, aí aparecia outro. Eu desistia, tentava dormir, precisava dormir, depois repetia todo o processo.
Eu sentindo sono em todo o meu corpo, incluindo partes que não existem de fato, como aquelas que amam e se magoam e odeiam e esperam e mudam de idéia, e sentem saudade e se confundem.
Eu me sentindo fraquinha para todas as coisas, incluindo sentir frio e calor e optar por uma coberta ou suicídio com vento nas costas, já bastava já bastava.
Dormi bem, finalmente, entre as seis e as nove e meia da manhã. Levantei atrasada e com o cabelo mais feio do que eu poderia me importar, não sonhei com nada nem ninguém, não pensei em mais nada nem ninguém, não pesei porra nenhuma na minha consciência, mas saí da cama e debaixo do chuveiro lavei tudo isso e mais um pouco. Debaixo do chuveiro, eu só queria mesmo ter certeza de que essa moleza no corpo não vai me deixar desmaiar durante a tarde. E fingi que tirava com sabonete as dores guardadas por empréstimo debaixo de cada centímetro de pele.
Me sequei. Me vesti. Limpei as marcas e a tatuagem. Escolhi ouvir belle and sebastian, musiquinha pros novos romanticos cínicos. Aqueles que morrem de pulmão por descuido não por glamour. Aqueles que só não conseguem deixar de se pendurar num cigarro. Mas os motivos ainda são os mesmos, apesar de não acreditarmos neles.
Saí de casa com uma camiseta amarela extra na bolsa. Em caso de febre, eu quero poder voltar a estar seca. Saí de casa com belle and sebastian, gentilmente sinistra, gostando muito de ser capaz de me sentir assim.
Nada de mal faz mal demais, quando se tem um bolsinho interno no coração, e os segredos certos pra guardar, olhar de vezenquando, e sorrir porque é bom estar vivo, as vezes, com os minutos contados pra chegar.

Sunday, March 12, 2006

domingo de manhã

duas horas antes a festa deveria ter acabado, duas horas antes as coisas poderiam ter sido encontradas e os pulmões salvos, duas horas antes tudo ainda estaria salvo senão perfeito, no fim das contas eu preciso de tão pouco, por demais?
duas horas antes em estado de espera.
duas horas antes poderia terminar em coma.
duas horas antes, acabaríamos na cama, ainda que cada um na sua.
duas horas antes ninguém teria falado demais.
duas horas, várias perdas, alguns salvamentos.
duas horas, ganhamos tão pouco por isso, mas antes tivemos momentos de pequenos fogos de artifício.
duas horas e depois disso eu ainda decido, amanhece e alguém bate o portão do prédio, eu ainda escuto minha banda de festa predileta, porque apagando o excesso, sobra o que havia há duas horas atrás, quando era muito bom, porque eu dançava a minha banda de festa predileta. que me lembra onde tudo começou e que a história ainda continua.
essas duas horas não me importariam se voce assistisse o nascer do sol comigo, lá onde tudo começou.
agora, eu espero que todos cheguem em casa bem.
e que durmam o seu justo sono de crianças pequenas muito tinhosas e inocentes para piorar a situação.
o dia vai ser claro, dificil de engolir, mas possível, sempre possível.
é possível que hoje eu assista um filme pra variar.

Wednesday, March 08, 2006

de tarde, nós somos azuis e tudo bem

quase todos nós trabalhamos, mas poucos gostam mesmo disso. isso tem menos a ver com vontade de não fazer nada do que com a aparente impossibilidade de nos sustentarmos fazendo alguma coisa que nós gostamos. As vezes pode ser porque não temos os meios de atingir o glamour que a arte precisa, as vezes porque achamos que não vale a pena, as vezes porque não dá tempo, as vezes porque ainda não inventaram o que a gente gostaria de fazer. e ok. talvez a sequela também não ajude muito. eu sei do que estamos falando. quase todos nós trabalhamos, de um jeito ou de outro. nem que seja cuidando da casa e dos irmãos mais novos. por isso, de segunda a sexta, não podemos nos ver de tarde. ou não todos, ou quase nunca, ou muito pouco. Mas há uma rede de comunicações, por email, telefone, telepatia, mensagens, recados passados por telefone para alguém que por acaso estava do lado do amigo, de passagem, no intervalo, entre uma entrega e outra, entre uma azucrinação vespertina e cinco minutos de tédio, a uma, as tres, ou as cinco, quando der fome ou vômito ou nada de bom na televisão ou uma pilha de burocracia impossível, a gente nunca se vê de tarde durante a semana, mas de um jeito ou de outro estamos todos lá. nas tardes de segunda a sexta, os grupos mais próximos são diferentes; as presenças se alternam, as vezes não temos tanto tempo, eu sou sempre tão presente enquanto aguento. de tarde é que a gente vai construindo o castelinho de formigas pros dias de bonança. devagar, devagar, cuidamos de nos cuidar; uns dos outros, passinhos pequenos começam a correr maior na quinta-feira.
por aqui, o fim de semana é o indulto. e a gente se esforça por passar pedacinhos de papel por entre as celas durante a prisão.
e no meio desses buraquinhos, não só nas frestas das paredes, mas também nos espaços entre as palavras que nos mandamos, é que estão guardadas as coordenadas pra além das estepes. quando os fugitivos montam o acampamento, eles já sabem exatamente que dança, como, quando e com quem dançar. ainda que isso aconteça por conta do caos.

Monday, March 06, 2006

Na segunda-feira, pelo menos três ou quatro portas de quartos estão com pulmões pendurados ao invés de casacos.
Na segunda-feira, futricando as lixeiras do mesmo grupo de amigos, se encontrará alguns fígados, alguns rins, alguns sacos e estômagos destroçados pelo fim-de-semana, que no fim deixou pelo menos os nossos corações onde eles sempre estão,
quem sabe no mais ou menos,
no prego ou na merda, são os nossos corações meio cinzentos,
meio brasileiros que não desistem nunca, mas enquanto continuam, finjem que não.
fingindo que estamos no quarto escuro (como sapos mortos antes da chuva)
é que a gente consegue fazer uma água cair. aí, qualquer três gotas mata a sede,
enfia a calça nova, faz o telefone tocar, muda o disco, troca o canal, qualquer três gotas já é lança-perfume caseiro valendo muito pouco apesar do risco, valendo muito pelo risco.
Na segunda-feira ainda tem gente querendo algum assunto sério ou insistindo em se enganar sobre o que houve na sexta e não houve no sábado, sobre um amigo do amigo do amigo sobre uma erva errada que não deu nada certo, na segunda-feira, talvez alguém ainda esteja na parada esperando um ônibus pra uma festa que de acabou cedo demais as quatro da manhã no sábado, eu e toda minha maquiagem preta sob os olhos estávamos lá como se fosse parque de diversões; muita água e tudo branco. Sob as árvores, mesinhas de madeira no lusco fusco, ursos famintos pelo açúcar dos outros, farejando a doçura do pescoço dos outros, angariando formigas e paranóias imaginárias do outros, roubando o braço dos outros, abraçando o engano, beijando errado, acertando o marca-passo dos outros, pequeno iggy não estava, me sinto até sem estimação quando passamos um fim de semana sem brigar com pequeno iggy, quando afastamos a rua das veias, e não adianta, mas não adianta, em qualquer festa nós seremos os mesmos, fugindo de nós, seremos os mesmos, não agarrando quem queremos demais seremos os mesmos,
principalmente aí.
enquanto trocamos a ordem de tudo, e sobrevivemos a isso, nós somos os mesmos.
a+b, não tem nada a ver, b e c se odiariam se não fosse pelo tesão,
d. está longe, por isso merece o ponto em que todos nós o esperamos.
m.c. não precisa ser de ninguém, special k poderia me pertencer com sexos trocados e um pouco de pimenta;
eu sei que "detê" vai se arrebentar nessa moça aí, mas não há o que fazer.
"bate na minha cara" por aqui é carência de nenê também.
eu não gosto mas provoco.
eu não gosto? a gente nunca sabe até amanhã de manhã.
eu gosto do que eu não posso ter, mas aprendi a fazer gostosinho comigo assim.
pra essa semana, o programa é pegar um hospital.
a gente podia ir lá tomar hélio e oxigênio, roubar morfina, assistir novela, brincar de incontinência e treinar contenção.

Friday, March 03, 2006

Angélica merecia que todos nós lhe escrevêssemos bilhetes diários de “quando você se ferra me machuca também”, mas eu também queria que ser bob dylan valesse a pena. O que nos cura nos mata, e, se a razão, a experiência, a negligência ou o que for, eu acho que é mesmo inteligência que já nos ensinou onde não adianta plantar, o que nos cura nos mata. Porque mesmo que algumas veias das mãos sequem quando percebemos que ás vezes não podemos fazer nada por algum dos amigos que se entrega demais, isso nos mantém com a cabeça livre de tombar também. Não é porque tenhamos medo de olhar ou de tocar na dor do outro, todos nós doemos também e sabemos bem o que isso significa, mas quando um de nós desiste, dá uma preguiça de continuar tentando. Mas angélica não gosta muito de ver televisão, nem pensa em mudar o cabelo, nem tem uma rua predileta, nem vai nos contar tudo isso. Quase todos nós passamos por isso as vezes, mas alguns não saem da rodinha. E eu sei o quanto os outros brinquedos com crianças estranhas, e todos os cantos escuros tentadores e perigosos, e todos os banheiros públicos dos quais precisamos tanto ás vezes e odiamos quase sempre, tudo isso pode dar um cansaço tremendo. Mas eu escolhi dirigir a minha vida, mesmo andando pra sempre a pé. Porque eu queria que ser bob dylan valesse a pena, mas me sinto ok só seguindo quem eu sou.

Wednesday, March 01, 2006

abraços por dia

quando parece que vai chover, kori quer abraçar com força um menino pra quem ela entregou as vontades porque ele não precisa. ele não passa pela sua janela, não telefona nem mora na mesma cidade. ele não pediu sua carteira de identidade, nem deixou coisa nenhuma na casa dela porque não precisa. quando parece que vai chover, kori lembra o quanto é bom gostar livre.
quando chove, m.c. não vai pra casa muito cedo, porque a sua janela do quarto mostra uma estrada seca que vira barro por qualquer aguinha e ele se sente tentado a dar um abraço mais comprido em alguém, ninguém em especial, qualquer uma delas pra garantir que não há riscos dele se molhar demais. m.c. gosta da água, só não de molhar o cabelo, porque se a água chegar ali significa que ele já se afogou atirado na poça aos pés de alguém. qualquer uma delas.
quando tem sol, o desenhista queria mais do que tudo que chovesse. pra poder ficar em casa desenhando e esperando que dali saia um abraço. as vezes é bem mais fácil do que ficar esperando o momento certo que todos nós sabemos que não virá, porque entre nós, momento certo é um empréstimo que acabamos gastando sempre em lixo. nunca em delícia. mas todo o nosso lixo é bem temperado, ainda que no dia seguinte nossas narinas e o batimento cardíaco malvado nos arrependam.
quando é de noite tem sempre alguma menina que não pertence ao grupo tentando se ajuntar. nós, as de casa, as da turma, tentamos não fazer cara feia, não parecermos desconfiadas rancorosas mal amadas ou egoístas. mas deveríamos. nós sabemos que elas vão fazer as besteiras que só nós podemos fazer sem risco de machucar algum dos nossos meninos. nós sabemos que elas não vão abraça-los sem tropeçar, só nós temos o mapa do escuro azul que tem bem lá atrás dos olhos de todos eles.
quando é de manhã, as vezes ninguém pode ainda ir dormir porque ficou com tantos abraços pendurados na garganta que é melhor fingir insônia e continuar, de olhos arregalados e pulo pronto, esperando o próximo passar, não perder um pescoço, não perder um jeito de ter dois segundos de carne. quando é de manhã, a gente se abandona na insistência pra concordar que acabou. acho que nós preferimos quase não dirigir, porque em caso de racha, todos estaríamos nos mesmos dois carros e ninguém desistiria a tempo, só pra abraçarmos de uma vez o acidente juntos.
quando é de tarde, eu nunca tenho ninguém pra abraçar. por isso preferia trocar meu relógio biológico e dormir, antes que seja tarde e eu queira demais e acabe não parando nas unhas, e acabe engolindo os dedinhos alheios.

no meu colchão, de dois em dois cabem muitas pessoas, sete segredos, cinco imprestáveis, alguns convites devolvidos, tres livros fechados e na sala, desde que toque um rock pegado, qualquer um pode fazer carnaval com a minha maquiagem, que de qualquer maneira, vai acabar meio gótica demais.